24 de novembro de 2010

Momento Gaudério

A MORTE DO PEDRO NINGUÉM

Veio a cantiga da noite
na garupa do aguaceiro
cabresteada pelo vento.

Até um relâmpado alçado
andou pateando o espaço
preludiando um temporal...

Mas oigatê como é brabo
este tal de mês de agosto!
A voz do preto Clarindo
veio do fundo do rancho
que se velava o finado:

O Juca, vai lá na venda
e compra dois real de gayeta
e um naco de fumo grande
que a noite vai ser comprida...

Lá fora o céu era negro
assim como um campo grande
que fora queimado a pouco

O Juca pediu a benção
prá seu padrinho Clarindo
e se enfurnou noite a dentro
na direção do bolicho.

Agora só a luz das velas
clareava os rostos sombrios
da peonada no velório
onde o respeito era pouco...
Pois entre risos e ditos
iam se contando causos
de peleias, de carreiras
e de chinas mal-domadas
esquecidas do finado.

Foi quando o preto Clarindo
compreendendo o desrespeito
pelo coitado do morto,
tirou uma longa tragada,
pigarreou como pensando
para afinal sentenciar:

O homem que nasce pobre
é como um cavalo xucro...
É pealado pela vida
sofre a doma das tristezas
até que um dia se amansa
perde a vontade e a fé...

Depois já sem serventia
morre na beira do alambrado
esquecido...sem ninguém!

Vejam vocês nesta noite,
o Pedro já não existe.
Amanhã se vai o corpo
pois a alma do coitado
de há muito já estava morta...

Andava assim como andam
miles de guasca sem rumo,
fugindo pelos atalhos
do povoado e das taperas.

Bueno total é a vida!
E amanhã será um de nós...
Até a viúva quando saiba
que o pobre Pedro morreu
decerto vai chorar pouco.

Chorar é prá quem tem tempo
e o tempo prá o pobre é escasso
prá se lastimar atoa,
quando já não se tem remédio
nem a esperança num cobre.

Livino, me passa a canha
que é prá esquentá o pensamento!

Caramba como faz frio
neste tal de mês de agosto!

Um trovão rolou no espaço.
E a chuva seguiu cantando
no funeral da saudade...

Saudade? há, há,há

Ora, saudade!

A saudade não tem tempo
De chorar Pedro Ninguém.

Luiz Menezes

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